A semântica do banimento: o consumo e a lógica do apartheid social* nos shoppings

O vídeo, de 2008, mostra um rolezinho de 2000, em que os sem-teto ocuparam o Shopping Rio Sul, no Rio de Janeiro, em uma manifestação pacífica. Se a cena pode ser considerada antiga, a reação repetida das classes médias urbanas nos shoppings centers das grandes cidades atualiza  a necessidade de confrontar a mensagem de exclusão.


Como se vê, o "rolezinho" não é um fenómeno novo. E a resposta, ao que parece, é sempre a mesma: demarcar a distância e banir os corpos que não se enquadram. Como espaço social, o shopping - com exceção dos que foram construídos nos subúrbios e periferias, já com a intenção de contenção e guetificação dos pobres - tem mesmo a intenção de constituir uma linha demarcatória. Espaço exemplar do apartheid social, de que fala Boaventura de Sousa Santos.

Atravessar a linha demarcatória, dando visibilidade à pobreza anti-estética de corpos que o capitalismo mastigou, é uma afronta. São necessários permanentes rituais de banimento. Do treinamento dos funcionários das lojas, com seus olhares fulminantes de desaprovação, à construção espacial das ambiências do shopping. Da opulência das fachadas e vitrinas - que convidam à não-entrada daqueles que não portam os códigos e senhas em seus corpos - ao aparato vigilante e repressor de segurança. Tudo é feito para expurgar a não-conformidade. Para lembrar o corpo pobre da sua inadequação, do seu não-direito, da sua invisibilidade desejada. 

O shopping configura-se, assim, como o lugar da reinvenção permanente da fronteira, do muro, sendo a ostentação que o caracteriza um dos ingredientes mais explícitos de uma semântica alargada de banimento.

Mas quem foi que disse que a ida ao shopping não pode ser um ato político? O corpo invisibilizado torna-se, ele mesmo, a mensagem. Atravessa a linha, faz prevalecer a presença, desapruma os códigos, desarma as estratégias de banimento.

Como diz Silvio Tendler no vídeo:

"Com as próprias imagens deles de pobreza, com aquele mundo de luxo, de consumo, de riqueza, eles denunciaram as desigualdades, as perversidades desse processo de globaritarismo que está aí"

O documentário acima é relativamente breve e merece ser visto por todos. O título já diz tudo: hiato.


==

* O sentido de apartheid social que aqui utilizo é aquele proposto por Boaventura de Sousa Santos ao discutir as formas de fascismo social.

Comentários

Postagens mais visitadas