A dimensão política da solidariedade: por que razão os ativistas portugueses devem interessar-se pelas lutas indígenas no Brasil


A dimensão política da solidariedade
Luciane Lucas dos Santos

Ontem me disseram que seria importante dar a saber porque os ativistas portugueses deveriam estar no colóquio "Território, Interculturalidade e Bem-Viver: as lutas dos povos indígenas no Brasil". Foi uma dica. Ficou-me como pergunta provocadora. A melhor resposta que eu encontro está em Boaventura de Sousa Santos: solidariedade internacional.

Amigos ativistas portugueses, aqui vai a minha mensagem e o meu convite para estarem connosco no dia 24 de Junho:

Embora as lutas tenham suas especificidades e agendas, elas inevitavelmente se encontram em algum ponto, sendo a tradução intercultural uma ferramenta política das mais urgentes para fazer face às injustiças cognitiva e social que corroem a autonomia de pessoas e grupos na construção e preservação de seus modos de vida. Tradução intercultural não é, portanto, mais uma entre tantas expressões acadêmicas que surgem e se apagam na constelação das palavras e metáforas de efeito. É ato político de luta. 

É urgente lembrarmos que os inimigos contra os quais lutamos podem ter o mesmo rosto e encarnarem o mesmo corpo. Megaprojetos sem consulta pública são cada vez mais comuns em diferentes países - de uma parte a outra do globo. Crises por especulação irresponsável em cima de bens básicos - como os alimentos - acontecem no países do Sul e do Norte. Empobrecimento, exclusão, perda de direitos não são especificidades dos países que, no passado, foram chamados, equivocadamente, de Terceiro Mundo.  Aliás, a expressão "Terceiro Mundo" merecia desaparecer dos nossos vocabulários de uma vez por todas, pois reforça estereótipos dualistas que não se enquadram no mundo real.

Os tempos exigem-nos uma percepção mais aguda da realidade. Há Norte no Sul. Há Sul no Norte. E os diferentes Suis precisam unir-se - pela soberania alimentar, pelo direito à terra, pelo direito à palavra, pelo fim da guetificação dos mais pobres. As alianças e a solidariedade política entre os que estão sendo massacrados pelos contornos transnacionais do capital são não só úteis, mas urgentes.

O artigo de opinião de Boaventura "As lutas do Mundo" (http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/As-lutas-do-mundo/29240parece-me bastante oportuno, neste momento. Recomendo vivamente a leitura aos amigos ativistas portugueses. É a minha resposta à pergunta: por que os ativistas portugueses deveriam estar em peso no colóquio indígena no dia 24 de Junho.

Diante da crise política de largo espectro que Portugal enfrenta, é oportuno revisitar o sentido de solidariedade que tem predominado no dizer e no fazer. É preciso restabelecer a coragem de dizer não à solidariedade que flerta com a manutenção das desigualdades - e que pode ser violenta à medida que engessa quem recebe, congelando-o para sempre na posição de "recebedor". Por outro lado, é urgente dizer sim à solidariedade política que revigora a autonomia e que aposta no direito de dizer "não".

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