Sobre o consumo de representações na pornografia

A pornografia precisa ser despatriarcalizada, lavada do machismo que perigosamente a reveste


Demonizar a pornografia não impede o seu uso. A maioria das pessoas a utiliza, em maior ou menor grau. Não me parece haver nada de errado em as pessoas buscarem formas alternativas de evocar o seu tesão. O que me parece digno de nota são as representações usualmente acionadas pelas pornografia e que contribuem para distorcer uma leitura saudável sobre o prazer, nas suas diferentes formas.

No âmbito da pornografia cis-heterossexual, seria oportuno que abríssemos espaço para a seguinte pergunta: o que seria uma pornografia construída sob a perspectiva do desejo das mulheres, em que elas retomassem a posição de sujeitos de prazer que lhes é devida? A construção imagética da pornografia tem como foco inequívoco os homens e isto tem uma repercussão no imaginário social - seja na ideia daquilo que o sexo pode ser, na fantasia desvairada do que é que dá prazer às mulheres ou na objetificação destas mesmas mulheres para o prazer absoluto e inconteste dos homens. Neste sentido, e tendo em vista que a pornografia não vai deixar de existir e ser usada, é urgente e necessário que se re-confextualize a pornografia, re-significando a presença e a perspectiva das mulheres nas relações sexuais, sobretudo as relações hetero-afetivas. A pornografia precisa ser despatriarcalizada, lavada do machismo que perigosamente a reveste. O prazer não é uma prerrogativa masculina e a mirada das mulheres (inclusive as trans, que o feminismo radical insiste em deixar de fora) precisa ser considerada. Lembra Vitória Mina:
"Nós criamos a pornografia para os homens consumirem e fomos modificando-a da mesma maneira que modificamos as mulheres expostas da mídia, para que se aproximassem cada vez mais de uma perspectiva agressiva e irreal, que satisfaz uma expectativa platônica do que é o sexo e não condiz com a realidade".

"A sexualidade é um poder e anular isso em alguém é enfraquecer essa pessoa. Quando nós colocamos os homens como seres sexuais e as mulheres como objetos, consideramos que apenas um dos envolvidos é o sujeito, enquanto o outro está ali para oferecer, para servir, para agradar. Em segundo plano. O prazer fica fragmentado se somente uma das partes o vivencia. E dessa forma todo mundo perde. Porque isso eu posso garantir: é muito mais prazeroso quando a gente vê"

Digo mais. Não só é chegada a hora de se discutir a sério a construção das representações de homens e mulheres na pornografia, mas também de ir além neste debate, já que identidade de género e sexualidade não são a mesma coisa. Ou seja, é preciso discutir ainda as representações mais amplas da sexualidade na pornografia - já que ela, a sexualidade, não se resume a dois lugares possíveis. Como sabemos, mesmo a pornografia homoerótica pode reforçar papéis e representações estereotipadas, que apelam ora para o imaginário heterossexual de virilidade (caso de várias revistas gays), ora para o ideal masculino do corpo feminino (caso de vários materiais lésbicos, que também são amplamente consumidos por um público masculino). Neste caso, cabe feito luva a observação de Beatriz Preciado ao lembrar que a pornografia funciona como um artefato importante "na biopolítica global de produção e normalização do corpo". Tanto para a pensarmos como lugar de dominação, como para a construção de um espaço de transgressão.  A este respeito, sugiro vivamente o texto de Salomé Coelho sobre o feminismo queer e uma potencial re-significação política da pornografia.

Hoje, no facebook, dei com um post que me fez refletir sobre estas coisas. O artigo de opinião de Vitória Mina, com o qual topei no post, não chega a abordar a questão da pornografia e da releitura queer, mas fala corajosamente sobre o lugar que tem sido atribuído à mulher em uma pornografia cujo alvo principal é o homem. Trata-se de um texto que põe todas estas questões sobre a mesa: a pegada machista da pornografia, as representações nela usualmente acionadas e o direito ao prazer das mulheres. Vale muito a pena ler (http://www.papodehomem.com.br/18-pov-para-mulheres-por-que-nao/):

Indicações de leitura:


Coelho, Salomé (2009). Por um feminismo queer: Beatriz Preciado e a pornografia como pre-textos. Revista Ex-Aequo, n. 20, pp. 29-40. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/pdf/aeq/n20/n20a04.pdf 

Silva, Fábio Ronaldo; Montenegro, Rosilene Dias. Sobre representação e homoerotismo: Uma leitura de capas da G Magazine. Disponível em: http://www.fiponline.com.br/eventos/vinheta/textos/representacao%20e%20homoerotismo.pdf

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